O ensino de História e Educação Patrimonial: Usos do passado e lugares de memória na construção de identidades

Por Pedro Paulo Abreu Funari¹

Ensino de História e Educação patrimonial são temas da mais alta relevância e atualidade (FUNARI & FUNARI; 2008). Vivenciamos uma época de guerras culturais e de narrativas manipuladoras do passado, a serviço da destruição e da opressão. A construção de identidades pode servir para a convivência, como para o conflito e a tentativa de sujeição e os lugares de memória são lugares privilegiados desses usos do passado (HARTOG & REVEL; 2001). Tratarei, nesta ocasião, dos conceitos em seus contextos e usos, a começar pelo começo, ou melhor, antes do começo. O começo só existe pelo que vem antes. No Gênesis, inicia-se com “no começo, criou Deus…”, sendo começo aí a cabeça (rosh = cabeça, daí começo). “Na sua cabeça, criou Deus…”. Também criar (bará = cortar) vem de algo concreto, cortar. Havia, pois, cabeça e possibilidade de cortar, antes do começo. Mas, e Deus? Elohim tem a ver com el (senhor), allá (Deus em árabe), sem que se possa saber bem o sentido concreto. Arriscaria dizer que é algo como um artigo definido: o/a e, no caso, no plural (Elohim), os/as. Tudo, em suma. O sujeito da frase é tudo!

Derrida (1930-2004) havia especulado bastante sobre esse tema e convém chegar ao termo grego arkhé, tomado, no geral, como antigo, princípio, mas que significa também mandamento, aquilo que deve ser feito, autoridade (DERRIDA; 1995). No princípio há um comando, uma cabeça prévia. Antes do início, o que há? Diz-se que o universo foi criado por um Big Bang: e antes? Essa é uma pergunta filosófica, sem resposta, mas que nos conduz a pensar que sempre há um antes e que esse antes se pode relacionar a uma autoridade, a um dever ser. Ligam-se, aí, três tempos: passado, presente e futuro. O que foi, o que é, o que há de ser. Esse tema é ubíquo e onipresente, a relação entre o que foi, o que é e o que será. Alcides Gerardi (1918-1978) diria que o que será, será, algo imortalizado em muitos idiomas:

Quando eu era um bom menino /
Eu perguntava quando crescer /
Serei eu pobre ou muito rico e eu ouvia assim / Que será, será, aquilo que for será /
O futuro não se vê, que será, que será /
(O que for será)

Quando cresci e me apaixonei /
E quis saber do meu amor /
Se cor-de-rosa seria a vida, ouça o que respondeu /
Que será, será, aquilo que for será /
O futuro não se vê, que será, que será /
(O que for será)

Agora que já sou papai /
Os filhos perguntam o mesmo a mim /
Se serão pobres ou muito ricos e eu respondo assim /
Que será, será, aquilo que for será /
O futuro não se vê, que será, que será /
O que for será

Contra todo tipo de predestinação, será como o fizermos. Mas, pode perguntar-se: o que isso tem a ver com o ensino de História e a Educação Patrimonial? O que a História senão pensar sobre isso, passado, presente e futuro? História, por sua raiz grega, liga-se à vista, à observação e daí à investigação. Há quem defina o ser humano como o animal curioso, em busca do conhecimento. Talvez seja uma definição insuficiente, já que isso não se aplica apenas ao humano, mas nem por isso menos verdadeira. Essa busca passa sempre pela narrativa (SILVA & FUNARI; 2021), essa, sim, uma particularidade humana e a palavra história tem também esse sentido, ao incluir a ficção (story), para além de um relato que se queira científico (history). Aí entra o ensino ancorado no estado nacional e criação de uma comunidade imaginada, com um passado mítico, mas travestido de ciência objetiva. A Educação, em termos conceituais, pode ser relacionada a trazer para fora a capacidade de pensar e agir no mundo, este o sentido original (ex-duco, conduzo para fora). Assim, também, acontece com o professor, cujo sentido é ainda de levar adiante o aluno (pro-fero, levo para frente), mas o ensino formal fundou-se muito em um papel hierárquico e bancário do professor e dos conteúdos, para usar o termo de Paulo Freire (1972). O ensino de História, no contexto nacionalista, que ainda nos envolve, tendeu a criar heróis (e bandidos). Como diria Paulo Miceli (1988), o mito do herói nacional continua a predominar, aqui e em outros tantos lugares, a despeito de tanto espírito crítico.

Essas narrativas, como todas as outras, críticas e contra-discursivas, fundam-se muito no patrimônio, na construção material de imagens. Os bandeirantes foram inventados no final do século XIX, antes sequer existiam. Só se tornaram referências por sua presença visual, patrimonial, inventada no Museu Paulista (1922) e na sequência de monumentos e suas reproduções (FUNARI; 1997). A Educação Patrimonial, por seu lado, pôde voltar-se para os sentidos libertários, tanto da Educação, como do Patrimônio. Patrimônio é outro termo ambivalente, mas cuja anfibologia permite tanto uma leitura redutora e limitada, como voltada para a criativa. Patrimônio pode ser os bens do pai, ou dos pais, dos antepassados, que nos são legados, no sentido material e de classe: os bens herdados da exploração. Esse o sentido corrente do termo: qual o seu patrimônio? Quantos recursos foram acumulados e herdados? Mas, há outros sentidos, em tudo diversos e mesmo divergentes: o que herdamos de todas que vieram antes de nós, aquilo que Walter Benjamin retomaria no Angelus Novus, que olha para o passado, visando a um outro futuro (FUNARI; 1996). A Educação Patrimonial pode servir para mostrar as contradições e a necessidade de pensar e agir de maneira crítica.

O termo usos do passado costuma ser relacionado ao poder e, ainda mais, a autoridades normativas, quando não autoritárias ou totalitárias. E, de fato, fica sempre mais evidente o abuso e a manipulação do passado pelo nazismo, fascismo, stalinismo, como demonstra Glaydson José da Silva (2007) ao estudar a extrema-direita francesa. A estes casos claros e extremos deve acrescentar-se os nem tão evidentes, mas nem por isso menos importantes ou duradouros. O estado nacional, a partir do século XVIII, na sua tarefa de criar cidadãos, teve na escola o meio de impor uma língua, uma cultura e um passado comuns. Esse processo é tanto mais profundo, quanto assumido como algo do âmbito do real, quando é da imaginação imposta. O caso paradigmático é o da França, com a imposição do francês, de um passado gaulês e de uma nação multissecular. Só isso permitiria ao general De Gaulle (1954) afirmar que toute ma vie, je me suis fait une certaine idée de la France (toda vida, tive uma certa ideia da França). Mutatis mutandis, isso se pode dizer do Brasil, em particular com a invenção da figura do bandeirante. São usos normativos do passado, a serviço do poder. Normativos, por se apresentarem como normas a serem compartilhadas e cujos desvios nem sempre são admitidos e menos ainda bem vindos. Mas, há, de fato, muita diferença entre a normatividade democrática e a autoritária, nos limites impostos aos desvios.

O sentido próprio de uso relaciona-se com pegar algo, manipular algo, daí que manipulação seja um termo relacionado bem apropriado. Há certa ambiguidade de sentido: pegar ou usar dá a impressão de que há algo a ser pegado, mas não precisa haver, como no caso do kilt escocês, lembrado no clássico de Eric Hobsbawm e Terence Ranger (1997). Daí que manipulação seja termo apropriado, por se referir tanto a mexer com as mãos (“manipular os ingredientes”) como a falsificar. Há, assim, partes do passado retomadas, outras são apenas imaginadas. A busca de pedras preciosas está na documentação, ao referir-se aos paulistas (bandeirantes), mas as suas vestes na estatuária ou nas pinturas são invenções. Há manipulação ao omitirem-se situações (apresamento de indígenas e escravizados fugidos, uso da língua tupi) e mesmo pessoas, como quando nas fotos soviéticas ao tempo de Stalin desaparecem das imagens Trotsky e outros mais.

Os lugares de memória são privilegiados nos usos do passado. O ensino formal, os programas escolares e os manuais didáticos ou paradidáticos são elementos centrais nos usos do passado, mas os lugares de memória são presenças permanentes, muitas vezes a reforçar as narrativas escolares. Lugares, na expressão “lugares de memória” é um termo que se refere à materialidade que faz apelo a uma narrativa que já está na memória do público. A narrativa na memória explica, assim, que fora do contexto cultural específico, da narrativa mais ou menos compartilhada, os lugares de memória sejam de difícil compreensão. O santuário de Yasukuni, no Japão, o Hermannsdenkmal (Monumento de Ermínio, na Alemanha), o monumento a Jacques Cartier, em Montreal, Canadá, ou o Riacho do Ipiranga são lugares de memória que dependem de uma narrativa e exigem longa explicações sobre os usos do passado. Os lugares de memória não precisam, ainda bem, reforçar usos abusivos do passado, a fim de domesticar mentes e corpos. Lugares de memória como o Museu da Paz em Hiroshima, Japão, o Memorial do Holocausto, em Berlim, Alemanha, o Memorial Indígena em Terra Nova, Canadá, ou o Parque Memorial Quilombo dos Palmares, Serra da Barriga, Alagoas, Brasil, mostram como os lugares de memória podem e mesmo devem fugir da manipulação. Os lugares de memória podem servir para a convivência. Muitos podem servir à destruição e à morte, à necropolítica (MBEMBE; 2003), mas podem também estar a serviço da vida em comum na diversidade.

Chegamos, então, à construção de identidades. São ambos termos prenhes, também, de sentidos contraditórios. Construção significa espalhar (struo) junto com (cum), uma ação coletiva, seja para construir uma casa, seja para construir uma narrativa e uma sociedade. Construção implica certa coordenação, quem determina como espalhar junto, o que os gregos chamavam de arquiteto (chefe de obra, empreiteiro, na linguagem quotidiana de hoje). Há, pois, na construção certa noção de direcionamento, a ser problematizada. Já identidade é um conceito do mais prenhes de anfibologia e contradições, ou controvérsias. Idem, em latim, significa o mesmo e, no sentido literal, é apenas a reiteração de algo já dado. Ele disse, o mesmo disse. Para além dessa repetição, é algo imaginado, abstrato e inventado. O mesmo (idem) é concreto, a mesmice (identidade) é imaginada e, por definição, artificial, mas nem por isso menos relevante. Ou até por isso, mais importante. Identidades construídas podem servir para tudo, para destruir e matar, mas também para a convivência, depende de nós. Um clube de tiro é uma coisa, uma associação afro, feminista ou indígena outra muito diferente. Somos nós a definir o que queremos para o presente e o futuro: destruição ou convivência?

A partir destas considerações gerais, o que dizer do Brasil de hoje, dos seus desafios e dos desafios de todos que lidam com os lugares de memória? Os lugares de memória no Brasil, sociedade das mais desiguais do mundo, não por acaso relacionam-se ao poder, e à sua celebração. E, aí, entramos na seara pantanosa da identidade. Idem significa o mesmo e exclui a diferença e parte de um pressuposto epistemológico duvidoso ou falso. Aqui o filósofo Heráclito (ca. 500 a.C.) e seu moto πάντα ῥεῖ, tudo flui (Simplicius 1313.8), ou mesmo tudo sempre (ἀεὶ) está a fluir, mostra que nada pode ser o mesmo! A identidade, o ser o mesmo, portanto, sempre será uma narrativa, que pode ser mais ou menos compartilhada, mais ou menos instrumental para isso ou aquilo. Uma identidade poder servir a proteger e solidarizar negros, afro-descendentes, indígenas, gays, mulheres, ou outros tantos subalternizados. Como negar a relevância de tais movimentos identitários? Mas, convém, sempre, lembrar a sua narratividade, a sua artificialidade, em busca de proteção, frente à agressão. Essa agressão pode vir de outras narrativas identitárias, aí sim, deletérias e destrutivas: nacionalistas, imperialistas, machistas, homofobias, narrativas que visam a oprimir ou mesmo destruir o diverso. Portanto, parece necessário, primeiro, considerar toda identidade como artificial e mesmo utilitária, a serviço da convivência ou, em sentido inverso, da destruição.

Feitas estas considerações sobre o sentido de identidade, pode considerar-se seus significados e usos no Brasil. A construção da memória tem sido, de diversas maneiras, conduzida de forma contraditória. Predominou, quase sempre, a memória do poder, da violência e mesmo da destruição. As cidades tinham em seu centro urbano as Casas de Câmara e Cadeia e a Picota ou Pelourinho (ANDRADE; 1947). Reuniam-se os homens bons na Câmara, prendiam-se os desviantes na Cadeia e puniam-se as pessoas com chibatadas no Pelourinho. Os sentidos desses termos podem ser reveladores. Câmara remete a algo coberto, um edifício ao abrigo. Cadeia deriva de catena, em latim, corrente que prende e não deixa fugir. Picota, nome popular e original do que viria a ser chamado de pelourinho remete a bater (picotar), enquanto pelourinho não se sabe bem de onde vem, uns diriam que é uma contração da expressão speculum in glōriam Deī, “espelho em glória de Deus”, mas não se sabe. De todo modo, a punição pública não faz dúvida e mostra bem os preceitos de castigo no corpo, como tantas vezes lembrado por estudiosos como Michel Foucault (1987). Isso era muito anterior ao próprio Brasil, tendo sido trazido para cá pelos colonizadores portugueses. Isso significa que é algo ligado a um sistema de submissão e destruição anteriores à escravatura na colônia portuguesa. O contexto local viria a dar ainda outras características a esses lugares de memória, ao associar, de maneira inédita, a submissão e a destruição à cor escura da pele, primeiro de indígenas (negros da terra) e depois da África (negros da Guiné). O próprio nome, Guiné, parece vir do berbere, idioma do norte da África, para se referir ao negro (aguinaoui). Essa associação entre a cor e a submissão só viria a se tornar uma classificação racial e racialista no século XVIII, com o Iluminismo, mas estavam plantadas as bases da associação entre fenótipo (ou aparência) e inferioridade. Não havia lugares de memória, no sentido moderno da palavra (NORA; 1984), nesses séculos, já que a monumentalização seria algo associado ao estado nacional, a partir do século XVIII e sua busca da forja de uma identidade nacional: um povo, uma língua, uma cultura, um passado, tudo compartilhado e, claro, inventado. O país ou pátria, antes um lugarzinho, o que chamaríamos, no português de hoje, terrinha, passou a designar uma imensidão, muito além daquilo que era frequentado. Paese, em italiano, para ficarmos no idioma neolatino mais antigo, significa, até hoje, antes de tudo a aldeia, o lugarejo, o que os castelhanos chamam de pueblo (povoado) e só por extensão o que chamamos de país (ou estado nacional). Pátria, já na antiguidade latina, era também essa terrinha (patria, em latim) dos pais.

A vinda da corte portuguesa em 1808 viria a introduzir, sensu stricto, os lugares de memória, com a criação de instituições como o Museu (1818) e todo um conjunto de obras públicas a remeter a um passado antes inexistente na colônia, agora alçada à capital do Império Português. Brasil como reino (1815) e país (1822) viriam a aprofundar essa criação de lugares de memória, com instituições como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1838) e inúmeros monumentos, pinturas e obras de arte, da literatura à música, passando pelas artes visuais. No Museu Nacional e no IHGB os indígenas entravam como lugares da memória idealizados, não tanto em referência aos nativos vivos e reais, mas num uso instrumental do nativo, como se fazia também alhures no continente americano, máxime no México. Com a República (1889) os indígenas são um tanto desclassificados e os lugares de memória, antes centrados na família real, movem-se para novas invenções, como os bandeirantes e Tiradentes. Não por acaso, relacionados à aliança entre elites paulistas e mineiras, já que os primeiros eram os paulistas que fundaram Minas Gerais e teriam levado à Inconfidência e à República (Velha). Multiplicaram-se os lugares de memória, com a expansão, ainda que limitadíssima, da cidadania. O Museu Paulista (Museu do Ipiranga, com o nome popular e de ambição nacional e identitária), desde 1917/1922, com sua feição bandeirante e nacional, é um bom exemplo disso, mas mesmo a capital da antiga corte, Rio de Janeiro, multiplicou esses movimentos, com inúmeros monumentos públicos e instituições, como o Museu Nacional, levado à antiga morada imperial, na Quinta da Boa Vista. Era a residência mais fresca da corte, ainda na capital, e com uma bela vista. Depois, quando sede do Museu, deu abrigo suntuoso ao acervo do novo regime e abrigou a herança um tanto embaraçosa do Império e da Corte à nova República oligárquica. Num país de cidadãos recém-criados, mas pouco numerosos, em relação ao total da população, tudo isso ressaltava o caráter aristocrático e excludente dos lugares de memória.

Isso tudo já era contestado, em particular fora das elites, ainda que mesmo nelas. Os modernistas seriam importantes para apresentar um desafio a isso tudo, ainda que com todas as limitações de serem os modernistas também da elite. Surgiam mulheres, escravizados ou trabalhadores. Após a república oligárquica (1889-1930), reforçavam-se iniciativas identitárias nos lugares de memória, algo levado ao paroxismo durante a ditadura do Estado Novo (1937-1945; POLONI & FUNARI; 2022). O conceito de identidade serviu a difundir noções normativas a serem compartilhadas e a incentivar a desumanização de tudo que se mostrasse diferente e uma ameaça à chamada paz pública. Ouro Preto construía-se como patrimônio nacional, sem referência crítica à escravatura, como se, no passado e no presente, a desigualdade e a aceitação da submissão devessem ser consideradas naturais, da ordem das coisas. Pelourinhos e cadeias mostrados em destaque. A república liberal (1946-1964) viria a acolher maior diversidade e os lugares de memória abriam frestas, como quando da aprovação da legislação de proteção das jazidas pré-históricas, em 1961 (FUNARI; 1994). Os indígenas vivos e pretéritos surgiam nos lugares de memória, movimento interrompido pelo golpe de 1964 e pela implantação de uma ditadura (1964-1985). Políticas da ditadura anterior, típicas do Estado Novo, como o patriotismo, o culto à autoridade e a intolerância à diversidade, a perseguição e morte de adversários (ou percebidos adversários) resultaram em políticas de memória excludentes. A lembrança de indígenas ou negros, escravizados ou fugitivos (quilombos), foi apagada, mas ressurgia nos poros da resistência com movimentos como o Movimento Negro Unificado, mas também na academia. Já na década de 1970, graças ao MNU e à atuação de intelectuais diversos, a Serra da Barriga, União dos Palmares, Alagoas, foi frequentado como um lugar de memória da resistência à escravidão e em prol da convivência. O governo civil, a partir de 1985, forneceu oportunidades para a criação de outros lugares de memória diversos, algo que os governos estaduais já começaram a fazer desde as primeiras eleições diretas para os estados da união (1982), em particular em estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul.
Desde então, tanto na legislação, como nas práticas sociais, a diversidade e a vida foram valorizadas, com lugares de memória tão variados como o Museu da Resistência, Museu Afro, Museu da Favela, Museu da Cultura Popular Feminista, entre inúmeros outros lugares de memória, surgidos de baixo para cima ou não, mas sempre abertos à diversidade. Esse movimento não deixou de ser contraditório, por diversos motivos, em primeiro lugar a persistência de conflitos sociais, iniquidades diversas e tensões. O contexto mundial também contribuiu para isso, por diversos motivos. Crises econômicas, ligadas à desvalorização de commodities, contribuíram para um recrudescimento do populismo nacionalista por toda parte, dos Estados Unidos à Europa, América Latina e Ásia. O discurso do ódio, da violência e da destruição do diferente passou a caracterizar movimentos de massa, com repercussão em ações governamentais destrutivas e incentivadoras da violência e da exclusão. O Brasil também está nesse contexto contraditório, pois há também resistência, tanto em governos estaduais ou municipais, como em movimentos sociais. Os lugares de memória ameaçados, como os mencionados antes, continuam e fazem frente a hostilidades, ataques, atentados, assim como foi durante os anos obscuros da década de 1930, no mundo e no Brasil. A inclusão de contradiscursos, com leituras a contrapelo, permite preservar a memória da exclusão, ao mostrar os seus limites e não-ditos. Os lugares de memória podem contribuir para a convivência, cabe a nós lutarmos para isso.

Notas

1 – Professor Titular pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Email: ppfunari@unicamp.br.

Agredecimentos

Agradeço a Raquel dos Santos Funari, André Luís Ramos Soares, Paulo Miceli, Carla Pinsky, Jaime Pinsky, Rita Juliana Soares Poloni e Glaydson José da Silva. Menciono o apoio institucional do CNPq, FAPESP e Unicamp. A responsabilidade pelas ideias restringe-se ao autor.

Referências

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