CRIME E CASTIGO
Uma Breve Análise Sobre os Seis Meses de Guerra na Ucrânia

Por Pedro Costa Junior e Valdir da Silva Bezerra.

“Em tudo há uma linha além da qual é perigoso cruzar; pois uma vez que você a atravessa, é impossível voltar atrás” (FYODOR DOSTOIEVSKY).

Após os eventos de 2014, na Ucrânia, Vladimir Putin enxergou o país vizinho como uma ‘plataforma’ utilizada pelo Ocidente para minar a segurança da Rússia. Baseando suas alegações em elementos históricos, filosóficos e religiosos, Putin deixou claro que o movimento da Ucrânia em direção ao Ocidente (e especialmente em direção à OTAN) seria algo inaceitável (uma “red line”), na medida em que minaria a ‘unidade espiritual e cultural’ existente entre russos, bielorrussos e ucranianos.

Por outro lado, durante as décadas de 1990 e 2000, a ascensão de sentimentos nacionalistas nas ex-repúblicas soviéticas, e particularmente na Ucrânia, foi enxergada de forma positiva pelo Ocidente, uma vez que representavam a perspectiva de uma democratização regional e de seu afastamento da Rússia, enquanto pólo de poder regional.

Logo, Putin afirmava que Kiev foi arrastada para um perigoso jogo geopolítico que visava transformar a Ucrânia numa barreira entre a Europa e a Rússia, um trampolim [de ataque] contra o país, motivo que levou o Kremlin a crer que: a Ucrânia estava servindo aos interesses geopolíticos do Ocidente e não aos interesses de seu próprio povo. Com isto, Putin não somente enxergou a soberania ucraniana como essencialmente frágil, como passou a exigir garantias por parte da OTAN de que a Ucrânia não seria incluída futuramente na Organização.

Nesse contexto, durante as primeiras semanas de 2022, enquanto mantinha conversações com diversos Estadistas europeus, Putin e o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, enfatizavam as preocupações do Kremlin sobre a chamada ‘política de portas abertas’ da OTAN, mencionando que o descaso demonstrado pela liderança Ocidental quanto à posição russa de que ‘uma possível admissão da Ucrânia na Aliança Atlântica seria inadmissível’ foi uma das principais razões por trás da crise de confiança surgida entre a Rússia e a Aliança Atlântica.

Enquanto, por um lado, essa ‘política de portas abertas’ da OTAN enfatizava o direito de cada Estado de escolher livremente seus arranjos de segurança, a Rússia enfatizava a necessidade de se atentar para que ‘nenhum Estado fortaleça sua própria segurança em detrimento da segurança dos demais’. Segundo a liderança russa, uma eventual adesão da Ucrânia à OTAN representaria uma ameaça militar ao país, na medida em que a Aliança Atlântica poderia colocar em solo ucraniano mísseis balísticos de médio
alcance (500-5500 km) capazes de atingir importantes cidades russas como Moscou e São Petersburgo em questão de minutos, ao mesmo tempo em que forneceria terreno para o estacionamento de tropas da OTAN nas fronteiras meridionais da Rússia. Além de tudo, para os russos perder a Ucrânia para a OTAN, seria o mesmo que perder uma parte de sua própria origem.

Fato é que com o fiasco das negociações entre o Kremlin e líderes europeus a respeito de ‘garantias de segurança’ e sob a justificativa de defesa das populações de Lukansk e de Donetsk contra ‘as agressões do exército ucraniano’, Putin decidiu tomar a controversa decisão de iniciar a Guerra na Ucrânia, evitando aquele movimento que se aprofundava ao longo dos últimos anos em que a Rússia se via novamente como o alvo de uma política de ‘cerco’ empregada pelo Ocidente. Na prática, tinha início então uma nova guerra em território europeu contra o poder do hegemon Ocidental, que hoje chega à marca de seis meses. Durante esse tempo, os olhos do mundo se voltaram para a Ucrânia e os destinos de milhões de pessoas, assim como da própria Ordem Mundial, nunca mais seriam os mesmos.

Do ponto de vista sistêmico, seis meses após o início da Guerra, pela primeira vez em trinta anos, o Ocidente liderado pela OTAN e a hegemonia dos EUA, está na defensiva. “A Parceria sem limites” assinada por Rússia e China, no dia 4 de Fevereiro, e aprofundada desde então, evidencia não só os interesses e as implicações regionais deste conflito, mas um cisma muito maior do ponto de vista da geopolítica e da geoeconomia do poder. A imposição de uma Eurásia nesta Nova Ordem Mundial Policêntrica, pela força, da parte
russa, e pela economia, da parte chinesa. Afinal, como escreveu Dostoiésky, “em tudo há uma linha além da qual é perigoso cruzar; pois uma vez que você a atravessa, é impossível voltar atrás”.

* Pedro Donizete da Costa Júnior, Doutorando da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e autor do livro “O Poder Americano no Sistema Mundial Moderno: Colapso ou Mito do Colapso?”, Curitiba: Appris, 2019.

**Valdir da Silva Bezerra, Mestre em Relações Internacionais pela Universidade Estatal de São Petersburgo (Rússia). Membro do Núcleo de Pesquisas em Relações Internacionais sobre Ásia (NUPRI-GEASIA). Membro do Grupo de Estudos sobre os BRICS da USP (GEBRICS)

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