Cassação como tática: o que a extrema direita está fazendo com a política brasileira?

Glauber: a cassação como tática

Por Clarissa Henning

Na quarta-feira, 9 de abril, o Conselho de Ética da Câmara aprovou, por 13 votos a 5, a cassação do mandato do deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ). O processo agora segue para o plenário.

A punição tem como base um episódio ocorrido em abril de 2024, quando Glauber foi provocado por um militante ligado ao MBL — que o filmava enquanto fazia ofensas pessoais, incluindo xingamentos à sua mãe, falecida 22 dias depois. Glauber se exaltou, tentou tomar o celular das mãos do provocador e acabou acertando um chute em sua direção. Foi o bastante para que a extrema direita acionasse o Conselho de Ética, acusando o deputado de agressão física. A pena solicitada: cassação.

Dois pesos, duas medidas

A perseguição a Glauber contrasta com o tratamento dado a parlamentares da extrema direita. Em 8 de março de 2023, no Dia Internacional da Mulher, o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) subiu à tribuna da Câmara usando uma peruca loira e declarou que “naquele dia se sentia uma mulher”. Em um discurso repleto de ataques, afirmou que pessoas trans representam “perigo” e conclamou mulheres a “retomar sua feminilidade” tendo filhos e se dedicando à maternidade.

A fala gerou indignação e uma representação no Conselho de Ética, assinada por PSOL, PT, PDT, PCdoB e PSB, que denunciaram as declarações como transfóbicas e criminosas. Apesar disso, o processo foi arquivado em agosto do mesmo ano por 12 votos a 5. O relator Alexandre Leite (União-SP) reconheceu a gravidade do episódio, mas recomendou apenas uma sanção de censura escrita. Para ele, “não seria oportuno levar isso adiante”.

Enquanto isso, Glauber Braga enfrenta a perda do mandato após reagir a provocações dentro da Câmara, num episódio de forte carga emocional. A discrepância entre os casos revela um padrão de seletividade e blindagem: quando a violência parte da extrema direita, os escândalos viram encenação. Quando parte da esquerda combativa, viram pretexto para cassação.

O que está em jogo?

Há tempos a extrema direita opera com as mesmas ferramentas: provocação, despolitização e perseguição. Os alvos são sempre os mesmos — parlamentares progressistas, deputadas mulheres, lideranças populares, movimentos sociais. As táticas também se repetem: manipulação de vídeos para redes sociais, uso instrumental de comissões disciplinares, distorção do debate público.

A cassação de Glauber Braga é mais um capítulo desse enredo. Não se trata de um julgamento ético isolado, mas de um projeto autoritário em curso — um projeto que silencia, deslegitima e expulsa da política os que não se curvam ao jogo da extrema direita.

Glauber foi eleito com quase 80 mil votos. Não está sendo julgado por seu eleitorado, mas por adversários que querem calar sua voz. O objetivo não é apenas tirá-lo de cena: é desmoralizar o enfrentamento político direto, tornando a política um espaço cada vez mais controlado, domesticado e inofensivo — para eles.

A política não acabou (e não vai acabar)

A ofensiva da nova direita é ruidosa, insistente e bem financiada — mas não é invencível. Ela precisa de medo para se manter. Precisa que a gente acredite que não há alternativa. Precisa do silêncio, da desistência, do cansaço.

Mas o que ela mais teme não é um parlamentar combativo ou um protesto barulhento. É o movimento subterrâneo que segue fazendo perguntas incômodas, educando sem concessões, se organizando por fora dos roteiros oficiais. É a recusa em aceitar que tudo se resume ao feed, aos stories, à guerra de versões nos trending topics.

Se você chegou até aqui, já está fora do script. Em tempos de política domesticada, o simples gesto de ler com atenção — e querer entender o que procura validar a encenação — é, por si só, um sinal de resistência.

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Por Instituto Racionalidades

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